Devoção

Palavras do Papa sobre os 300 anos da Padroeira do Brasil

O Pontífice faz uma reflexão mostrando o significado e a importância da Festa deste 12 de outubro.

Durante a maior parte do tempo de preparação para o jubileu de 300 anos do encontro imagem de Aparecida, os brasileiros acalentaram a expectativa da presença de o Papa Francisco conforme promessa feita por ele mesmo ao visitar o Santuário Nacional antes de iniciar a Jornada Mundial da Juventude no Rio de janeiro, em 2013.

Impossibilitado por razões estratégicas de suas viagens internacionais à América Latina, uma vez que outros países também reclamam sua presença, ele esclareceu, em 2016, que não poderia estar presente na Festa de Aparecida. Ainda assim, em maio deste ano, por meio de carta dirigida aos bispos do Conselho Episcopal Latino-americano e Caribenho, por ocasião da celebração dos 10 anos da Conferência de Aparecida, ele fez uma profunda reflexão mostrando o significado e a importância da mensagem da festa deste 12 de outubro.

Em primeiro lugar, o Papa lembrou que desejaria voltar a Aparecida na companhia dos bispos mesmo que por meio de uma reflexão e que essa meditação “fosse também a vossa ‘visita’ aos pés da Mãe, a fim de que nos gere na esperança e tempere os nossos corações de filhos”. Para ele, “seria como ‘voltar para casa’, olhar, contemplar, mas sobretudo deixar-nos ver e encontrar por Aquele que nos amou primeiro”. E lembrou a celebração jubilar: “Há trezentos anos um grupo de pescadores saiu como sempre para lançar as redes. Saíram para trabalhar e foram surpreendidos por um achado que mudou os seus passos: no seu dia a dia foram encontrados por uma pequena imagem totalmente coberta de lama”.

Crescimento na fé e imersão no discipulado

Papa Francisco lembrou aos bispos que a imagem encontrada no Rio Paraíba do Sul, no interior de São Paulo” “era Nossa Senhora da Conceição, imagem que durante quinze anos permaneceu na casa de um deles, e os pescadores iam lá rezar e Ela ajudava-os a crescer na fé. Ainda hoje, trezentos anos depois, Nossa Senhora Aparecida faz-nos crescer, imergindo-nos num caminho discipular”.

E esclareceu: “Aparecida é uma verdadeira escola de discipulado. E, a este propósito, gostaria de indicar três aspetos. O primeiro são os pescadores. Não eram muitos, mas um pequeno grupo de homens que todos os dias saíam para enfrentar o trabalho e desafiar a incerteza que o rio lhes reservava. Homens que conviviam com a insegurança de nunca saber qual teria sido o ‘lucro’ do dia; incerteza nada fácil de gerir quando se trata de levar a comida para casa, e sobretudo quando nessa casa há crianças que devem ser nutridas. Os pescadores são aqueles que conhecem pessoalmente a ambivalência que se cria entre a generosidade do rio e a agressividade das suas inundações. Homens acostumados a enfrentar as inclemências com um vigor e uma determinada santa ‘obstinação’ de quem todos os dias não deixa — porque não pode — de lançar as redes”.

O Papa prosseguiu na reflexão: “Esta imagem aproxima-nos do centro da vida de tantos nossos irmãos. Vejo rostos de pessoas que saem desde a alvorada até noite funda para ganhar a vida. E fazem isto com a insegurança de não saber qual será o resultado. E o que faz mais mal é que — quase sempre — saem para enfrentar a inclemência gerada por um dos pecados mais graves que flagela o nosso continente hoje: a corrupção, que arruína vidas, arremessando-as na mais extrema pobreza. Corrupção que destrói populações inteiras subjugando-as à precariedade. Corrupção que, como um câncer, corrói a vida diária do nosso povo. Eis então tantos nossos irmãos que, de modo admirável, saem para lutar e enfrentar os ‘transbordamentos’ de muitos… que não têm necessidade de sair. O segundo aspeto é a mãe. Maria conhece em primeira pessoa a vida dos seus filhos. Em crioulo ouso dizer: é uma madraza, uma boa mãe. Uma mãe atenta que acompanha a vida dos seus. Aparece onde ninguém a espera”.

No meio da lama

E o Papa chama atenção para uma particularidade da história de Nossa Senhora no Brasil: “Na história de Aparecida encontramo-la no meio do rio coberta de lama. Ali espera os seus filhos, ali está com os seus filhos no meio das suas lutas e buscas. Não tem medo de se imergir com eles nas vicissitudes, de se sujar para renovar a esperança: Maria aparece onde os pescadores lançam as redes, onde aqueles homens procuram ganhar a vida. Ela está lá. Por fim, o encontro. As redes não se enchem de peixes mas de uma presença que completou a vida dos pescadores e lhes deu a certeza de que nas suas tentativas, nas suas lutas, não estavam sozinhos. Era o encontro daqueles homens com Maria. Depois de a terem lavado e restaurado, levaram-na para casa onde permaneceu por muito tempo. Aquele lar, aquela casa, foi o lugar no qual os pescadores da região se encontravam com Maria. E aquela presença tornou-se comunidade, Igreja. As redes não se encheram de peixes, transformaram-se em comunidade.

Em Aparecida encontramos a dinâmica do povo crente que se confessa pecador e salvo, um povo forte e obstinado, ciente de que as suas redes, a sua vida está cheia de uma presença que o encoraja a não perder a esperança; uma presença que se esconde no dia a dia dos lares e das famílias, nos espaços silenciosos onde o Espírito Santo continua a amparar o nosso continente. Tudo isso nos apresenta um bonito ícone que nós, pastores, somos convidados a contemplar”.

Aparecida, depois de 300 anos, segundo o Papa Francisco, “não traz receitas, mas chaves, critérios, pequenas grandes certezas, para iluminar e, sobretudo, ‘acender’ o desejo de nos despir de todas as vestes inúteis e voltar às raízes, ao essencial, à atitude que plantou a fé nos inícios da Igreja e depois fez do nosso continente a terra da esperança”.  E mais: “Aparecida só quer renovar a nossa esperança no meio de tantas ‘inclemências’”.

Ele diz ainda “A fé das mães e das avós que não sentem medo de se sujar para criar os próprios filhos. Sabem que o mundo no qual devem viver está infestado de injustiças, para onde quer que olhem e experimentam a carência e a fragilidade de uma sociedade que se fragmenta cada dia mais, no qual a impunidade da corrupção continua a ceifar vítimas e a desestabilizar as cidades. Não só sabem… vivem isto. E são o exemplo claro da segunda realidade que como pastores somos convidados a tornar nossa: não devemos ter medo de nos sujar pela nossa gente. Não devemos sentir medo da lama da história contanto que resgatemos e renovemos a esperança. Só pesca aquele que não tem medo de arriscar e de se comprometer pelos seus”.

Centrar em Jesus Cristo

O Papa lembra aos bispos latino-americanos que “para poder viver com esperança é fundamental que nos centremos de novo em Jesus Cristo que já habita no centro da nossa cultura e vem a nós sempre renovado. Ele é o centro. Esta certeza, e exorto, ajuda a nós pastores a centrar-nos de novo em Cristo e no seu Povo. Eles não são antagonistas. Contemplar Cristo no seu povo é aprender a descentrar-nos de nós mesmos para nos centrar no único Pastor. Centrar-nos de novo com Cristo no seu Povo é ter a coragem de ir às periferias do presente e do futuro confiando-nos à esperança que o Senhor continuará a estar presente e que a sua presença será fonte de vida em abundância”.

E registrou, mais uma vez, o que tinha escrito na Encíclica Evangelii gaudium (n. 49): “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos, enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)”.

Lição final de Aparecida

Papa Francisco encerra sua mensagem aos bispos da América Latina reafirmando que todas essas realidades da evangelização encontradas na mensagem de Aparecida podem ajudar “a revelar a dimensão misericordiosa da maternidade da Igreja que, a exemplo de Aparecida, está entre os ‘rios e a lama da história’, acompanhando e encorajando a esperança a fim de que cada pessoa, onde quer que esteja, possa sentir-se em casa, filho amado, procurado e esperado. Este olhar, este diálogo com o povo fiel de Deus, oferece ao pastor duas atitudes muito bonitas para cultivar: a coragem para anunciar o Evangelho e a força para enfrentar as dificuldades e os dissabores que a mesma pregação provoca”.

E o Papa finalizou: “Na medida em que nos envolvermos na vida do nosso povo fiel e tocarmos o fundo das suas feridas, poderemos olhar sem ‘filtros clericais’ para o rosto de Cristo, ir ao seu Evangelho para rezar, pensar, discernir e deixar-nos transformar, a partir do seu rosto, em pastores de esperança. Que Maria, Nossa Senhora Aparecida, continue a guiar-nos para o seu Filho a fim de que os nossos povos n’Ele tenham vida… e em abundância. E, por favor, peço-vos que não vos esqueçais de rezar por mim. Que Jesus vos abençoe e a Virgem Maria vos ampare”.

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