Santuário

Dom João Santos: ” O Pai Eterno nos chama viver em família e nos envia… para criar a cultura do encontro e do diálogo”

Bispo de Bom Jesus da Lapa (BA) foi o pregador do quinto dia da novena em preparação para a Festa do Pai Eterno

Dom João Santos Cardoso, bispo de Bom Jesus da Lapa (BA) convidado pela Arquidiocese de Goiânia e pelo Santuário de Trindade, foi o pregador do quinto dia da novena em preparação para a Festa do Pai Eterno, nesta terça, 27 de junho. Eis a íntegra da homilia:

Com o tema central, “O Pai Eterno nos chama e envia”, a novena em preparação à Festa do Divino Pai Eterno repercute o Terceiro Ano Vocacional do Brasil, que tem como temática “vocação, graça e missão”.

Nesta quinta noite, a proposta é refletir sobre a vocação da vida em família e a missão de promover a cultura do diálogo e do encontro, com o subtema “O Pai Eterno nos chama a viver em família e nos envia para criar a cultura do encontro e do diálogo”.

A vocação é graça, pois a iniciativa do chamado parte do coração generoso do Divino Pai Eterno, que nos amou por primeiro e nos chama a viver em profunda comunhão e intimidade com Ele. E nos envia em missão.

Isso é fascinante, é estupendo! Somos chamados independentemente dos nossos méritos e virtudes a seguir os passos do Senhor.

O profeta Isaías experimentou esse fascínio e assombro com sua vocação. Ele ouviu o chamado de Deus enquanto se encontrava em oração no templo, onde teve profunda experiência do mistério.

Ele viu o Senhor, sentado no trono alto e sublime. Junto do Senhor se encontravam serafins, cujas asas cobriam-lhe os pés e o rosto e voavam uns para os outros proclamando a santidade de Deus. Ao clamor dessa voz, ele sentiu que o templo inteiro estremecia e enchia-se de incenso. Então, exclamou: “ai de mim, estou perdido! Sou um homem de lábios impuros e habito no meio de um povo de lábios impuros”. Não obstante essa clara percepção de sua indignidade, Deus mostra a Isaías que Aquele que o chama o purifica e lhe capacita para a missão. Um dos serafins voou em sua direção e com uma brasa viva tocou seus lábios dizendo-lhe “tua culpa está sendo tirada e o teu pecado perdoado”. Nesse ínterim, a voz tornou-se audível e com clareza interpelava: “Quem enviarei? Quem irá por nós?”. Diante do apelo, o profeta prontamente responde: “Eis-me aqui, envia-me” (Is 6,1-8).

Vemos, portanto, que a vocação é graça, mistério e missão. É graça, pois a iniciativa parte de Deus que chama quem Ele quer, sem mérito algum de quem é chamado. É mistério que envolve o vocacionado desde a sua concepção, como narra o profeta Jeremias a respeito de sua vocação: “Antes que te formasse no seio de tua mãe, eu te conheci, antes de saíres do ventre, eu te consagrei e te fiz profeta para as nações” (Jr 1,5). A vocação nos envolve desde a concepção, em um determinado momento e contexto, desabrocha e tem o seu ponto de partida.

Quando falamos em vocação, geralmente pensamos naquelas pessoas chamadas à vida consagrada ou ao ministério ordenado. Entretanto, a vocação diz respeito a todo cristão. Todos somos chamados, de acordo com o nosso estado de vida (casados e solteiros) e da nossa condição na Igreja (leigos, consagrados ou ministros ordenados) a responder nossa vocação cristã para viver em íntima comunhão com a Trindade Santa e seguir os passos de nosso Senhor Jesus Cristo como discípulos, assumindo serviços e ministérios na Igreja e enviados em missão para sermos uma presença cristã no mundo.

O subtema deste quinto dia enfatiza a vocação a viver em família e o compromisso de promover uma cultura de encontro e do diálogo.

A vida familiar é uma das mais belas vocações. Como toda vocação, ela é exigente e supõe entrega, renúncia, doação mútua, mas também é fonte de alegria. O Salmo 127/128 retrata a alegria da vida familiar e apresenta uma casa serena, com uma família sentada ao redor da mesa em dia de festa. No centro, encontramos o casal formado pelo pai e pela mãe e dos filhos como rebentos de oliveira ao redor da mesa.

Especialmente, o fiel leigo é chamado a responder à vocação para constituir uma família e promover em seu interior a cultura do encontro marcada pela misericórdia, bondade, mansidão, paciência, pelo amor mútuo em que cada um serve de suporte para o outro (Cl 3, 12-21).

Nesse sentido, a família de Nazaré representa o ideal para o qual a família cristã deve tender. São Lucas mostra que, na Família de Nazaré (Jesus, Maria e José), se respirava o contexto vocacional. A piedade, o cultivo das tradições religiosas, a espiritualidade em marcas da Sagrada Família. Segundo o Evangelho proclamado (Lc 2, 41—51), todos os anos os pais de Jesus iam a Jerusalém para a festa da Páscoa.

Uma dessas peregrinações a Jerusalém ficou para sempre marcada: aquela em que Jesus tinha completado 12 anos de idade e ficou perdido por três dias no Templo.

Esse episódio mostra como os pais de Jesus souberam lidar com aquela tensão, assim que perceberam a ausência do filho, puseram-se à sua procura. Ao encontrá-lo, educadamente, mas com vigor, o censura, chama-lhe a atenção, mas também põe-se à escuta para ouvir suas motivações.

Ao ouvir a repreensão de sua mãe: “meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos angustiados, à tua procura!”. Jesus responde: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?”. Embora eles não tivessem compreendido o inteiro significado de suas palavras, São Lucas diz que “sua mãe, porém, conservava no coração todas essas coisas”.

O episódio mostra que na família de Nazaré reinava o diálogo e o encontro. Não há histeria de algo tão dramático como perder uma criança durante três dias. Os pais não se acusam mutuamente, transferindo responsabilidades um para o outro, tentando se eximir de alguma negligência. Mas vão à procura do filho. Ao encontrá-lo, questionam, escutam, sabem respeitar a sua escolha para se ocupar com as coisas do Pai Eterno. Mesmo não compreendendo o alcance dos fatos, Maria não tenta controlá-los, mas guarda tudo no coração, buscando o sentido dos mesmos.

Podemos afirmar que na família de Nazaré reina a cultura do encontro e do diálogo. Assim também devem ser nossas famílias: cultivar a cultura do encontro e do diálogo e expandi-la para o mundo.

A cultura do encontro é uma expressão usada pelo Papa Francisco, que nos estimula a adotar o estilo de vida marcado pela busca do contato e comportamentos que superem as dialéticas do confronto, que as diferenças, mesmo envolvendo tensões, convivam integrando-se, enriquecendo-se e iluminando-se reciprocamente.

Na sua meditação matutina na Capela da Casa Santa Marta em 13 de setembro de 2016, o Papa Francisco nos fez o convite para promover a “cultura do encontro”, como fez Jesus no episódio da viúva de Naim (Lc 7, 11-17). Não só vendo, mas aproximando-se. Não apenas ouvindo, mas escutando. Não só se deparando com as pessoas, mas detendo-se com elas, deixando-se arrebatar pela compaixão (aproxima, toca e diz: “não chores”).

Nesse episódio, há um encontro entre as pessoas que estavam na estrada. Isso é algo incomum, pois, “quando caminhamos pela rua, cada qual pensa em si mesmo: vê, mas não olha; ouve, mas não escuta” e segue seu próprio caminho. O encontro é precisamente isto que esse episódio, narrado por São Lucas, nos anuncia: ao ver aquela cena (um cortejo funerário em que uma mãe, seguida por uma multidão, chora a morte de seu filho), Jesus enche-se de compaixão, “aproximou-se da viúva, a tocou” e disse-lhe “não chores”. Igualmente ele se aproxima do caixão, toca e diz ao jovem morto “levanta-te”. “O morto sentou-se e começou a falar, e ele o restituiu à sua mãe”.

Estamos “habituados com a cultura da indiferença”. Precisamos pedir a graça para promover uma cultura do encontro, que “restitua a cada pessoa a sua dignidade de filho de Deus”. A cultura do encontro nos leva a buscar pontos de contato, construir pontes e derrubar muros de separação, superando a cultura do ódio e do cancelamento.

A “cultura do cancelamento” é um comportamento massificado de intolerância digital que busca marginalizar e prejudicar a imagem e a reputação de um perfil pessoal de uma pessoa física ou jurídica. O “cancelamento” acontece contra uma pessoa que assume atitudes ou defende propostas que vão contra o pensamento de um grupo de pessoas. Quando isso ocorre, a pessoa é eliminada, perde seguidores, com comentários visando destruir sua reputação, motivados pela cultura do ódio, que cresceu exponencialmente com a chegada das redes sociais.

Hoje, com as redes sociais, cada um tem na mão uma máquina de mídia com vários canais de comunicação. Fotos e vídeos são compartilhados na internet e, em questão de segundos, estes viralizam, perdendo-se assim o controle sobre eles.

Devemos rejeitar a “cultura do cancelamento” e do ódio, pois ela tira da pessoa a oportunidade de aprender com seus erros. Ela nos impede de manifestar nossa capacidade de empatia e de perdão. Cancelar alguém dispara em nós o ódio, o ressentimento e nos faz agir com violência. Quando recebemos um pensamento divergente dos nossos valores e do nosso círculo social, reagimos de forma intolerante na rede, tornando esse comportamento uma faísca que culmina em um incêndio digital, com comentários, compartilhamentos e referências raivosas.

É necessário a cultura do encontro, desenvolver a empatia, a compaixão e controlar nossos instintos primitivos para nos conectar socialmente uns com os outros.

A cultura do ódio nos mostra que, ao mesmo tempo em que estamos conectados e compartilhamos informações, atravessamos um cenário de intolerância, sem espaço para o outro e para posições divergentes.

“É preciso sermos mais criteriosos ao compartilharmos informações, para não divulgar informações inverídicas ou, se verdadeiras, com o propósito de denegrir a reputação de alguém. Devemos verificar a veracidade das informações antes de compartilhá-las e usar o bom senso nas redes sociais, orientados por uma regra de ouro: não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você”.

Que o Divino Pai Eterno nos ajude a viver em família e nos ajude a criar a cultura do encontro e do diálogo, superando a indiferença, a cultura do cancelamento, do ódio e da divisão.


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